Organização Renata Apolinario

Didico 

Brasil, Inverno de 2023

Da exuberante natureza indígena de 1500 à indústria da degradação colonial até a transgênica realidade digital de um povo brasileiro que resiste.  

A trajetória de nossa riqueza cultural, intimamente ligada às veias que alimentam o nó Brasil: índio, negro e branco, o símbolo desta miscigenação está a salvo na memória de cada um de nós. 

O vermelho de nosso Pau brasil corre como sangue nas veias abertas da América do Sul, o continente latino, latido do Império à República, e continuamos máquina de cortar a abundante madeira que nos nomeou.

Picando Pau brasil construímos a nação, apagando a paisagem exuberante e natural, para depois, de barraco a barraco, acabar de vez com nossas florestas, implantando megas favelas, polis sitiadas pela paisagem degradada.

A floresta é matéria prima, alimento, remédio, abrigo comunitário e integração neste sistema natural e orgânico deste tempo de magia. Favela ou nada, tenho repetido esse coro que ilumina a paisagem urbana capixaba; salve a casaca, meu reco-reco, como um mantra, para cada botocudo calado; um pedaço de pau brasil, para todo caboclo Bernardo, para cada zumbi dos Palmares, para todo mundo favela de nosso cercado, capitania ou estado. 

Uso a ideia de cortes de pau brasil como princípio construtivo dessa série, onde todos os desenhos foram produzidos a partir da repetição do mesmo e único gesto gráfico, a linha. São repetições de linhas: vertical, horizontal, diagonal e circular. Uma simplificação técnica, uma economia de materiais, tema e conteúdo unidos em infografias, desenhos executados com os dedos e caneta digital, sobre a tela de cristal líquido “touch”, no bloco de notas do tablete e programas próprios para desenhos. 

Uso meu diletantismo com a ferramenta digital (“hard” e “soft”), reconhecendo os materiais e as técnicas enquanto faço cada imagem. O caminho se faz ao caminhar, assim é o trajeto do Naif, o capixaba Luiz Natal, que pinta uma Regência vivida por ele, existência única entre emaranhado de tempos nas redes de nossa imaginação sem perder a origem. Assim é meu caminho no desenho digital. 

Na linha do tempo, fora dos eixos de nossa atualidade instável, surfamos em ondas de retrocessos, navegamos penosamente entre a miséria humana, sobre corpos que enquanto escrevo morrem, aos milhares, como o esquartejado pau brasil, que tentamos excentricamente extinguir. 

Linha por linha desse tecido PAUBRASIL, instalado nesta série de desenhos produzidos em tempos de pandemia, representa cada ser vivo, cada camada da cultura brasileira, das bandeirinhas de São João, das casacas, das fitas do nosso Senhor do Bom Fim; Oxalá! viva Salvador de todas as cores, aqui oxum é menino travesso de nossos terreiros; da beleza dos florais nos panos de chita sobre a mesa e nas saias de nossas madonas é que exala a cor, o cheiro da cordialidade brasileira, que, apesar de todas as tentativas, permanece viva e poeticamente vai seguir.