
Samira Pavesi apresenta nesta exposição 18 obras, entre pinturas, desenhos e fotografias, suas reflexões após a experiência de um mês, em janeiro de 2023, na residência Nowhere, em Lisboa, coordenada pela curadora Cristiana Tejo e a artista Luiza Baldan.
O duplo sentido sugerido pela artista, que dá título à exposição, convoca à leitura das obras em articulações sobre a liberdade, liberdade essa que é inerente à uma memória da infância vivida na roça, e que hoje é movida por Samira em seu percurso artístico.
As perguntas implícitas trazidas pela artista habitam paradoxos e ao se revelarem nas obras sustentam as dúvidas, cuidando para observar uma mesma coisa por diferentes perspectivas, oferecendo não somente um duplo, mas amplos sentidos.
Um gradeado numa janela prende ou protege? Essa é uma das questões que Samira se pergunta em suas caminhadas por Lisboa, durante a residência artística. Se precipitado, o espectador se sentiria convocado a responder tal interrogação a partir de aspectos físicos e visíveis, reconhecendo somente a materialidade dos gradis. Mas a artista pede um pouco mais de si, das obras e de quem as vê: grades e prisões internas, invisíveis, imateriais, incrustadas em nosso código social e genético.
Ao apresentar fotografias pela primeira vez, a artista compartilha o olhar atento e presente que permeou seu processo de residência e que impulsionou a produção das obras desta exposição. Os desenhos e pinturas revelam o aprofundamento do seu trabalho, mais consciente de uma avidez e de uma apreensão do mundo de maneira peculiar e poética, não menos atravessada por inquietações. Samira insiste nos traços elípticos, tramas, cores e costuras, não como obras do acaso, mas como referências que comparecem e guiam sua pesquisa desde sua primeira exposição individual em 2021.
O que seria a liberdade, afinal? O que nos protege também nos prende? Longe de tecer aqui digressões sobre conceitos filosóficos, a liberdade perseguida pela artista em seus processos criativos seria menos um lugar e mais uma maneira de estar no mundo, com todas as negociações existentes entre quem somos e os papéis sociais que cumprimos, entre nossas obrigações e desejos.
Samira Pavesi sente os pensamentos nas pinturas, nas fotografias, no dia a dia, ao ver o mundo de cabeça para baixo, nas posturas invertidas da ioga. É inevitável que as obras aqui expostas resultem de desassossegos próprios do feminino, que desobedece
a lógicas bem assentadas, para escavar, num trajeto demorado e por vezes dolorido, a singularidade do seu traço, suas vontades, seus múltiplos sentidos. Uma prática diária de afrouxar mundos como forma de libertar a si mesma.
Flávia Dalla Curadora